“A História do Nanú (um caso especial)”

A profissão de adestrador tem a grande vantagem de nunca ser um trabalho monótono. Todos os cães são diferentes e todos os donos têm necessidades diferentes em relação aos seus cães. Desde o adestramento em obediência básica, à resolução de problemas comportamentais e socialização, cada caso tem a sua complexidade e as suas peculiaridades. Daí ser fundamental adaptarmos o nosso trabalho e os métodos utilizados a cada situação.

Mas há casos que deixam marcas, quando sabemos que ajudámos a mudar a vida de um cão e de uma família de forma bastante significativa. Claro que, nada se faria sem a colaboração da própria família, sem o empenho dos donos. E aqui está a grande diferença entre um caso perdido, ou um caso de sucesso como o do Nanú.

O Nanú (ex-Charcoal) foi resgatado pelo Refúgio Animal Angels em Outubro de 2014. Estava escondido num armazém há mais de 1 mês, muito fraco e cheio de medo. Voluntários da associação conseguiram apanhá-lo e foi um choque o que encontraram. Petrificado de medo, num sofrimento inacreditável, o Nanú estava a caminho de uma morte lenta e dolorosa.

O pêlo estava enorme e num estado lastimável, cheio de nós e de lixo. Numa magreza extrema e muito fraco, o Nanú tinha um cheiro nauseabundo e indescritível. O horror surgiu quando se aperceberam que tinha um cabo de aço amarrado ao pescoço, de tal forma, que estava cravado na carne. Alguém o tinha deixado assim para morrer, ou poderá ter conseguido soltar-se e fugido do sítio onde estivera preso.

Foi tosquiado e o cabo de aço removido, que por pouco cortava os vasos sanguíneos vitais, tendo que ser sedado porque as dores eram insuportáveis para o pobre bichinho. Com uma ferida muito profunda no pescoço, o Nanú demorou a recuperar.

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Em Fevereiro finalmente estava bem para ser adoptado e encontrou uma família humana e canina para o acolher, com a salvaguarda de que este era um cãozinho
especial, que iria necessitar de muita atenção e paciência dos donos. Os medos que apresentava eram tremendos e só queria fugir de tudo, principalmente do contacto com os humanos.

Os novos donos fizeram um trabalho excelente, estando já habituados a cães especiais, pois têm uma pequena matilha de cães adoptados. O Nanú tornou-se um pouco mais confiante com as pessoas, mas ainda receoso.

Este caso chegou-nos através da mãe humana do Nanú, que nos contactou a pedir ajuda. Houve muitos progressos, mas o Nanú ainda tinha um grande caminho pela frente e os seus donos queriam que pudesse desfrutar da boa vida de cão que todos os seus manos têm lá em casa.

O grande medo do Nanú agora era a trela. Só podemos especular sobre o que terá sido a vida do Nanú até ser resgatado, mas pelo estado em que foi encontrado, com um arame cravado no pescoço, o mais natural é que o pobrezinho não queira ver trelas ou correntes, ou tudo o que se lhe assemelhe, como aconteceu com uma fita métrica, em que o Nanú fugiu a correr com medo.

O trabalho teve que começar por ganhar a confiança do Nanú, para que me deixasse aproximar dele e fazer-lhe festas. O fiambre e o frango desfiado foram os meus melhores aliados, porque os biscoitos não eram o suficiente para que ele se quisesse aproximar e trabalhar comigo.

Visto que o Nanú não podia sequer ver uma trela, então primeiro tive que fazer um trabalho de contra-condicionamento, para que associasse a trela a algo bom e que visse a sua presença como uma experiência positiva. Colocámos a trela no chão, meio enrolada, com muitos bocadinhos de fiambre à volta e no meio. Primeiro, o Nanú comeu os que estavam mais afastados da trela mas estava muito receoso em avançar para comer o resto. Para o deixar mais confortável, deixámo-lo sozinho e fomos para outra divisão onde o podíamos ver. A pouco e pouco o Nanú foi-se aproximando e acabou por comer todos os bocados de fiambre que estavam no meio da trela, tendo mesmo que lhe tocar para chegar aos prémios.

Este trabalho foi repetido diariamente pela dona, que passou a dar-lhe a alimentação desta forma, colocando o comedouro no meio da trela. Ao fim de uma semana, a presença da trela já era indiferente para o Nanú.

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Começámos então a colocar-lhe a trela, utilizando o mesmo método, com o objectivo de dessensibilizá-lo para aquele objecto, para que não o considerasse como algo penoso para ele, mas sim, um objecto normal e comum. Com a ajuda do fiambre e do frango desfiado, lentamente colocámos a trela em contacto com o corpo do Nanú, para depois a colocar presa à sua coleira. Inicialmente o Nanú quis fugir, mas depois acalmou-se e demos um pequeno passeio para trás e para a frente no pátio, recompensando sempre que ficava mais tranquilo, até que deixou de tentar fugir. A dona continuou este trabalho nos dias seguintes e o Nanú evoluíu imenso.

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O próximo passo seria então sair de casa com trela e um passeio na rua. Estando já a aceitar a trela num espaço que conhece bem e em que se sente seguro, avançámos mais um pouco na sua recuperação e fomos passear para a rua, primeiro muito próximo de casa. O Nanú mostrou-nos mais um dos seus medos, portas e passagens estreitas. Com algumas repetições, a entrar e sair, ao longo do tempo foi perdendo esse receio.

O primeiro passeio do Nanú depois de começarmos a reabilitação foi extremamente gratificante, para mim, para a dona, mas acima de tudo para ele. Finalmente vimos o Nanú descontrair e levantar a cauda, abanando-a e a mostrar a sua felicidade a passear, sem medo da trela. Queria correr e dava saltinhos de contente.

Começamos então uma série de passeios com o Nanú, afastando-nos mais de casa, para que pudesse conhecer o pequeno mundo à sua volta. Apercebemo-nos então de outro medo, os carros em andamento. Quanto maiores fossem, mais barulho faziam e pior era para o Nanú. Ficava em pânico, a querer fugir e a tentar soltar-se.

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Com a ajuda da sua mana canina, a Clô, que é muito confiante e sempre foi muito prestável a ajudar o Nanú, passámos a fazer passeios em locais movimentados, evoluindo gradualmente. Primeiro em ruas paralelas com pouco movimento e depois na estrada principal onde estão sempre a passar carros e camiões.

 Outro problema que o Nanú apresentava, era o facto de se afastar quando o chamavam ou quando o tentavam agarrar. No entanto, o Nanú com a sua força de vontade e vivacidade, está determinado a ultrapassar os seus medos e a deixar para trás todos os traumas e não pára de nos surpreender. Apesar de ter ainda algum receio, a sua evolução foi notável após algumas sessões em que treinámos a chamada, com uma trela extensível e a dona afastada a chamar por ele com muitas recompensas.

Lentamente o Nanú foi evoluindo. Deixou de ter aquela reacção de pânico aos carros e começou a descontrair ligeiramente. Avançámos mais um passo na sua recuperação e fizemos alguns passeios numa estrada com muito movimento, perto da praia.  Por fim,  na companhia da Clô e da Juka,  duas das suas manas peludas,  o

Nanú descontraíu, levantou a cauda e desfrutou de um passeio, contente e tranquilo, apesar de estar de trela e de passarem carros constantemente ao seu lado. Escusado será dizer que o trabalho de reabilitação do Nanú terminou em grande, com umas corridas na praia e umas banhocas no rio!

Entretanto, foi de férias com a sua nova família, numa grande viagem de caravana! O Nanú portou-se lindamente e a família está radiante de ver o seu menino especial, que lhes foi entregue quase como um caso perdido, agora tão feliz! Está praticamente reabilitado, apesar de ainda recear um pouco os carros, o que na opinião da dona até é desejável, mas já corre e brinca sem medos e vem logo quando o chamam, sem receios.

Com a continuação do excelente trabalho que a dona tem realizado, o Nanú está a aprender a ser cão novamente e a recuperar o tempo perdido. Quando o vemos a brincar, a sua alegria é contagiante porque parece um cachorro nas suas primeiras corridas.

É fundamental não desistirmos dos nossos cães, mesmo quando o futuro possa não se apresentar risonho. Eles são mais fortes e resilientes do que nós pensamos. Com o caso do Nanú, temos a prova de que com esforço e perseverança tudo se consegue, utilizando as técnicas adequadas a cada caso e evoluindo ao ritmo do próprio cão.

Quando um cão tem medo, é ansioso ou mesmo agressivo, significa que está em sofrimento. E é nosso dever, enquanto donos, fazer o que estiver ao nosso alcance para o retirarmos desse estado e dar-lhe uma vida, verdadeiramente, de cão!

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Gostaria de deixar um agradecimento muito especial à dona do Nanú, a Sr.ª Rita Santos, não só pelo trabalho fantástico que fez com ele, sem a sua ajuda nada disto seria possível, mas também pela disponibilidade que teve em ajudar-me na construção deste artigo e enviar-me algumas das fotos.

Ao Nanú, Parabéns! Sê feliz!

Rodrigues, N. (2015), “A História do Nanú (um caso especial)”. Revista Cães & Lobos, 15, 28-33.

Dezembro 27, 2023

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